Entrevista com Sílvia Regina Bergamin – Psicóloga formada em 1987, Psicopedagoga, Terapeuta de Casal e de Família
Contato: @integraterapiasintegradas
Estes tempos estranhos de pandemia, que vai e vem e parece que não termina mais, vão deixar marcas profundas. A imposição do isolamento, social e afetivo, deve impactar toda a população do mundo, uns mais, outros menos mas todos receberão a sua parte. As questões financeiras vindas da perda de emprego, diminuição de salários, quebra de empresas, projetos desfeitos, já se fazem sentir fortemente, mesmo prevendo ainda mais consequências, abalaram ou deixaram inseguras muitas pessoas. Tantas informações em tempo real, rapidamente recebidas e lentamente absorvidas, deixando um gosto estranho de ‘não entendi’. E tantas outras mudanças! Muitas questões emocionais afloraram. O medo do contágio, de adquirir ou passar a doença para alguém, a morte como presença frequente, o afastamento de pessoas queridas, a angústia, a solidão, o luto não vivido. Quantos sentimentos descobertos e aprendidos, ou mesmo escondidos.
Os tempos que estão por vir vão nos mostrar as sequelas que ficarão como marcas de um tempo inimaginado. Mas vamos fazer o exercício de tentar pensar agora como isto poderá acontecer e o que podemos fazer para amenizar o sofrimento.
- Pensando nos grupos sociais e, em especial, na saúde mental, quem mais sofreu com a pandemia e vai sentir as maiores consequências?
Penso que as crianças pequenas foram as mais atingidas. Elas foram privadas de contato com os amigos e familiares, viram seu espaço físico de brincadeiras ser reduzido, tiveram que se proteger de um inimigo invisível e mortal. Pesquisas recentes já mostram que alguns pequenos perderam habilidades já adquiridas como o desfralde e o uso de talher. Pense na diferença que faz para uma criança de 2 anos, ficar seis meses contida em seu desenvolvimento. Este grupo, a médio prazo, vai apresentar muitas sequelas emocionais, cognitivas, motoras e sociais.
- Pensando no grupo de ‘mais maduros’, onde muitos usavam seu tempo para sair, ter contato com amigos, fazer visitas, ir às compras, todos colocados no grupo de maior risco, mais ameaçados, mais confinados, pergunto: Como fazer, agora e no futuro próximo, para voltar a terem confiança, segurança para retomarem a rotina anterior de saídas e encontros?
Os “mais maduros” que já eram equilibrados vão aos poucos retomar a vida e elaborar os lutos. Os que já eram mais comprometidos antes da pandemia, tendem a ficar mais neuróticos, com medo de tudo. A proximidade do fim ficou muito presente nestes tempos. Pessoas amadas partiram bruscamente. Não vai ser fácil retomar, mas é necessário – “o show tem que continuar” pra quem ficou. Nossas casas passaram a ser vistas como o único refúgio seguro, num mundo incerto e contaminado e, por conta disto, diversas pessoas já estão apresentando a “síndrome da caverna” – que é exatamente a dificuldade em sair do lugar aparentemente protegido e se aventurar novamente no meio externo.
Algumas dicas são: minimizar o tempo de exposição a notícias catastróficas, não repassar as fake news dos grupos de whatsapp, manter-se afastado do celular por algumas horas, reencontrar com segurança pequenos grupos de amigos e familiares, voltar a frequentar os serviços de saúde e mercadinhos, manter a cabeça “viva” desempenhando atividades como: cuidar dos filhos do vizinho, plantar temperos, aprender ou ensinar um idioma, fazer caminhadas diárias, se possível, alternando os percursos – não congele, tudo vai passar…
- Muitos filhos e netos estão sendo bastante rigorosos no protocolo de isolamento social, não permitindo que seus pais, tios, avós, saiam sequer ao portão da casa e com contatos visuais à boa distância. Como enfrentar isso?
Este comportamento foi mais visível nas fases iniciais da pandemia visando proteger os grupos de risco, agora todos já perceberam que o isolamento rigoroso também pode ter efeitos muito nocivos. Acho muito possível que, daqui para a frente, iremos oscilar entre maiores reclusões e algumas aberturas porque outras pandemias ou emergências sociais podem ocorrer a qualquer tempo, isto não é mais novidade.
É importante ter em mente que não existe controle absoluto, o que tentamos, com nossos cuidados, é reduzir os danos. Máscaras, luvas, álcool em gel serão nossos companheiros fiéis porque assim nos sentiremos mais seguros, mas não são armaduras de super heróis.
Lembremos também que algumas pessoas, infelizmente, se valeram do discurso de “vou me manter afastado para proteger” e acabaram negligenciando alguns familiares. A proposta era distanciamento físico e não distanciamento emocional.
- Como os profissionais da saúde e educação, que orientavam a limitação do uso de celulares, deverão tratar disso daqui pra frente? Lembrando que na pandemia esse uso teve que ser liberado para compensar o isolamento? Como lidar com essa mudança em tão pouco tempo?
Se tem uma coisa que o ser humano é bom é em se adaptar, foi assim que sobrevivemos e ocupamos o planeta. A liberação dos celulares e eletrônicos foi uma medida necessária e pontual para enfrentar uma situação adversa. À medida que a vida volta ao normal, as regras tem que ser revistas. Se o controle dos pais, anteriormente era por conta de saber que a criança e o adolescente não tem condições eficientes de automonitoramento e que a exposição excessiva aos eletrônicos é nociva à saúde física e mental, eles (pais) tem que se manter coerentes com suas crenças e não ceder; negociar, sim; liberar geral, nunca. Talvez seja interessante pensar que os eletrônicos são ferramentas muito úteis desde que usados na medida certa. O uso intenso do Instagram por garotas tem sido apontado como um dos fatores responsáveis pelo aumento de depressão entre adolescentes, possivelmente pela pressão das redes sociais e, pela obsessão com a imagem corporal – há quem faça plástica para ficar parecida com os filtros da foto no aplicativo.
É importante também que os familiares deem o exemplo, desconectando-se um pouco. Existia vida antes da Internet e não era tão ruim.
- Que outras consequências mentais poderemos enfrentar no pós-pandemia?
Vamos ver um aumento nos casos de fobias, manias (especialmente de limpeza), stress e ansiedade. Haverá também mais desconfiança em relação aos governantes e aos outros em geral: o estrangeiro, o vizinho, “o fura quarentena”. Mais pessoas vão necessitar tomar ansiolíticos e os problemas no sono também tendem a aumentar.
- Você tem algumas dicas práticas que possam nos ajudar?
* Para se desligar e até dormir melhor, sugiro colocar o celular no modo avião e ler um livro – o sono vem mais rápido.
*Criar mantras – frases que tenham sentido e sirvam para acalmar a mente, repita mentalmente muitas vezes algo que te ajude. Pode até ser um refrão de música, por exemplo: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído…”
*Arranje uma caixinha, escreva em papeizinhos desejos, sonhos, projetos e guarde lá; quando bater o tédio, o “não tem nada para fazer” – pesque algo da caixa e inspire-se.
*Tempo livre é bom e necessário, mas em excesso é perigoso!
*Manter contato com a natureza é revigorante. Se não puder ser ao vivo, pelo menos, coloque vasos na sua casa e até mesmo imagens de plantas ou paisagens podem ajudar.
*Antes da televisão, os jogos de salão entre amigos e familiares eram o grande evento de socialização. Por que não recuperar este hábito? Ao vivo ou online é possível jogar stop, jogo da vida, dominó, detetive, War, buraco, perfil, Imagem e Ação…
*Não levar a vida tão sério, rir de si mesmo, rir das situações traz leveza em tempos tão pesados.
*Estar presente de verdade. Até mesmo em atividades do dia a dia, é possível estar por inteiro – ao lavar a louça: preste atenção na espuma, no peso e formato dos objetos, na temperatura da água, nas texturas… dá pra viajar, rs.
*Seja voluntário – ajudar os outros é, antes de mais nada, ajudar a si mesmo. O prazer de oferecer pode ser maior que o de receber.
*Procure ajuda se perceber que não está dando conta. Um terapeuta é um companheiro de viagem que não vai te julgar