O britânico Charles Spencer Chaplin foi um dos gigantes da Arte do século XX. Se na prateleira mais alta dos ícones do século, só coubessem cinco fotografias, estas seriam a de Chaplin, Picasso, Beatles, Elvis e Nureyev. Mesmo considerando que qualquer lista ou ranking tem muito de subjetividade e gosto pessoal, é quase certo que esses cinco “monstros” estariam, juntos ou separados, na maioria das listas dos grandes artistas de todos os tempos. Felizes, nós, seus contemporâneos de século, que tivemos o privilégio de assistir suas geniais performances e guardar, em casa ou no coração, as obras primas que eles criaram.
É impossível determinar, sem causar grande polêmica, o melhor filme entre as mais de cem participações do genial Chaplin, como ator, diretor, roteirista, produtor, músico e compositor de trilhas sonoras. De seu primeiro curta metragem com o título de “Making a Living” em 1914 até seu último longa “A Condessa de Hon Kong” em1967, foram cinquenta e dois anos de intensa e extraordinária produção, que marcou geração de diretores, atores e cinéfilos do mundo inteiro. É verdade, porém, que o auge criativo de Chaplin foi seu período nos EUA. Durante quatro décadas (1913-1952), ele produziu quase uma dezena de obras primas e criou o mais famoso personagem da história do cinema: Carlitos, o Vagabundo, lá chamado “The Tramp” ou “The Little Tramp”.
Ao chegar aos EUA em 1913, numa mambembe companhia inglesa de vaudeville, ele mal conhecia um de seus parceiros de viagem e de companhia chamado Stan Laurel. Nunca estiveram juntos no palco ou em set de filmagens, nem antes, nem depois, mas se observaram muitas vezes. Laurel, também, viria a se tornar mundialmente famoso e bem-sucedido como o Magro da dupla “O Gordo e o Magro”. Rapidamente, o talento de Chaplin foi notado e ele foi chamado para diversas produções como ator, especialmente de curtas metragens. Em fevereiro de 1914 estrelou seu primeiro filme.
Embora “Making a Living” tenha recebido, no Brasil, o título de “Carlitos Repórter”, quem assiste o curta de nove minutos não reconhece o adorável vagabundo. Não é o mesmo personagem. Não há o chapéu coco, os sapatos e as roupas maltratadas e a inocente esperteza. Ao contrário, o personagem é um vigarista, que de Carlitos só tinha o andar característico e a agilidade nas frenéticas cenas de fuga e perseguição. Carlitos, O Vagabundo estrearia, na forma como o mundo reverencia até os dias de hoje, no filme seguinte, de apenas onze minutos: “Kid Auto Races at Venice”, lançado duas semanas após o primeiro.
Em 1921, a primeira obra prima, “O Garoto”, no qual Chaplin revisita sua própria infância pobre e problemática, em Londres, com a mãe doente e o pai alcóolatra e ausente. Cresceu com o irmão, entre as ruas, orfanatos e casas de parentes, nos períodos em que a mãe se recuperava de sucessivas internações, inclusive por problemas psiquiátricos. Guardou dela as melhores recordações, lembrando que fora ela que lhe ensinou as primeiras performances. Hannah Chaplin era atriz e, anos depois, foi trazida pelo filho para Los Angeles, que cuidou dela até sua morte em 1928.
Mesmo com o advento do cinema falado na segunda metade da década de 20, Chaplin resistiu à essa novidade enquanto pôde. Rei da pantomina, ele acreditava, sobretudo, no poder de comunicação imediata da mímica. Além disso, milhões de imigrantes estavam chegando na América naqueles anos. O cinema mudo não impunha a barreira da língua para os recém-chegados e esta foi uma das razões do grande sucesso de seus filmes. Somente em 1931, em outra de suas obras primas “Luzes da Cidade” apareceram efeitos sonoros e trilhas de música. Na sequência, no clássico “Tempos Modernos” ouviu-se, pela primeira vez, a voz de Chaplin, cantando, já que o filme não tem diálogos falados, apenas letreiros.
O primeiro filme inteiramente falado de Chaplin ocorre somente em 1940. “O Grande Ditador”, uma devastadora, e jamais igualada, sátira ao nazifascismo, então dominante na Europa. Pleno de mensagens libertárias e humanistas e de escracho às ideias de Adolf Hitler e seus seguidores, o filme ganha em dimensão quando se sabe que naquele 1940, a Alemanha dominava quase toda a Europa e sua vitó
ria era tido como certa, tão logo subjugasse a Grã-Bretanha. O filme foi censurado em diversos países de regimes autoritários, inclusive no Brasil do Estado Novo. Setenta anos depois permanece atual.
O canto do cisne de Chaplin é “Limelight”, no Brasil titulado como “Luzes da Ribalta”, lançado em 1952. Junto com Claire Bloom e outro gênio, Buster Keaton, talvez o único ator/comediante no seu patamar artístico no tempo do cinema mudo, Chaplin realizou um filme dramático e romântico primoroso. Nessa época, Chaplin já sofria a perseguição do FBI e do governo americano por supostas atividades comunistas nunca provadas, O filme foi rejeitado pelos distribuidores americanos e Chaplin teve que viajar à Inglaterra para fazer o lançamento. As autoridades americanas aproveitaram-se dessa viagem e cassaram o visto de residência de Chaplin. O exílio durou vinte e cinco anos. Nesse tempo dirigiu apenas dois filmes, sem o brilho e o sucesso de outrora. Também, compôs as trilhas sonoras para seus filmes dos tempos do cinema mudo, que foram relançados. Chaplin nunca mais voltou a morar nos EUA até sua morte no dia de Natal de 1977 na Suíça.
Indicado diversas vezes para o Oscar, sempre preterido nas premiações, recebera um único Oscar honorário em 1929, uma espécie de prêmio de consolação. Em 1972, finalmente, a Academia de Cinema de Holywood o convidou para a cerimônia de entrega de um Oscar especial pelo conjunto da sua obra. Ao subir ao palco, Hollywood se rendeu. Foram doze minutos de aplausos de pé, a maior ovação jamais registrada na história do prêmio. O grande artista agradeceu num discurso de quarenta palavras e vinte segundos de duração. Não havia mais nada a dizer. Sua obra já tinha dito tudo.
Cada vez que assisto um de seus filmes, sempre a algum detalhe que passou desapercebido!
Um gênio, que não pode ser descrito em palavras!!