Além dos loucos anos 20, lindamente mostrados por Woody Allen em “Meia Noite em Paris”, nós já vivemos, lemos ou ouvimos falar dos “Anos Dourados”, quando o Brasil sonhou e realizou, em certa medida, coisas grandiosas e inesquecíveis na Arte e no Esporte, além de respirar um clima de democracia e otimismo em quase todos os setores, inclusive na Política e na Economia. A construção de Brasília, a bossa nova, o Cinema Novo, a conquista da Copa do Mundo, Maria Esther Bueno, Ademar Ferreira da Silva, Garrincha, Wlamir Marques, o iniciante Eder Jofre, o costume de tomar sol na praia e a nascente indústria automobilística foram marcos daqueles tempos memoráveis.
Na década seguinte, já mais grandinhos, vivemos os “Anos Rebeldes”. Com o surgimento dos garotos de Liverpool, herdeiros e fãs declarados dos ícones do rock dos dourados anos 50, tudo mudou de novo. A música e a moda foram apenas os sinais mais visíveis da grande revolução. O mundo virou de cabeça prá baixo. No amor, no sexo, no relacionamento dentro das famílias, nas escolas, em todos os lugares e setores da vida. Drugs, sex and rock’n roll não era apenas um slogan como hoje: era um estilo de vida. A revolução gerou reações e a revolta explodiu em 1968, o ano rebelde, por excelência. Em certo momento, parecia que a juventude ia tomar o poder. No mundo inteiro as ruas e universidades foram tomadas por garotos cabeludos e garotas com flores nos cabelos, repletos de certezas na política e nos costumes. No final, a reação acabou vencendo, como Belchior constatou em “Como nossos pais”, mas as marcas ficaram e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Anos loucos, anos dourados e anos rebeldes. Achei de inventar uma nova categoria. E que tal anos estrelados? Anos que, também, traziam diferenças em relação aos demais e que se destacam pelos seus acontecimentos, às vezes, inusitados, outras vezes, inesquecíveis. Saí a pesquisar e encontrei um: o ano de 1942. Um ano difícil para o mundo. O auge da Segunda Guerra com batalhas em três continentes e dois oceanos. Era difícil pensar em qualquer outra coisa que não fosse na ciência e na economia de guerra. A Arte, então, quando não voltada ao esforço de guerra, era quase um bem supérfluo. Os grandes museus da Europa fechados, assim como os teatros, cinemas, estúdios e salões de exposição. Mesmo a produção artística nas Américas, livres das batalhas e dos bombardeios, era, em geral, escassa e pouco inovadora.
Com todas essas dificuldades, o que faria de 1942 um ano estrelado? Poderia começar dizendo que foi o ano de lançamento de “Casablanca”, o filme mais cultuado da história do cinema, do romance “O estrangeiro” de Alberto Camus, o filósofo do “absurdo” ─ “o silêncio desesperado entre a interrogação humana e o silêncio do mundo” ─, que veio a ganhar o Premio Nobel de Literatura de 1957. Essas duas obras primas, pela beleza e pelas reflexões que nos obrigam, destacar-se-iam ainda que houvessem sido lançados naquele ano centenas de filmes e romances de muita qualidade. A música brasileira lançou dois clássicos, que atravessaram gerações: “Ai que saudades da Amélia” e “Ave Maria no morro”. Precisava mais?
Muito mais que um ano de criação artística, podemos dizer que 1942 foi um ano de preparação de uma grande arte que viria a dar frutos a partir dos anos 60. Em que ano nasceram tantos talentos? Difícil imaginar que num mesmo ano nasceram Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Tim Maia e Dominguinhos. Teve, também, Jorge Benjor, que já havia trocado de nome e em 2012 trocou de idade. Renegou 1942 e assumiu 1945 – inocente mentira. E entre as mulheres, ninguém menos que Nara Leão, Clara Nunes e Cely Campelo. O privilégio não foi apenas brasileiro. Lá fora, no mesmo ano, nasceram: Paul McCartney, Jimi Hendrix, Johnny Rivers, Aretha Franklin, Barbra Streisand, B J Thomas, Carole King e Brian Jones, o fundador do Rolling Stones. A propósito, quanto você pagaria para ir num show com os nascidos em 42?
Também são de 1942 outros brasileiros famosos: Ademir da Guia, Ugo Giorgetti, Aracy Balabanian, Suzana Vieira, Ítala Nandi, a Sociedade Esportiva Palmeiras e o Cruzeiro Esporte Clube ─ estes antes eram Palestra Itália. Outro cruzeiro famoso nascido em 1942 foi a moeda, que substitui o réis e o mil réis usados desde o inicio da colonização. Entre os estrangeiros outra lista de celebridades: Muhammad Ali, Martin Scorcese, Calvin Klein, Britt Ekland, Lou Reed, o craque moçambicano Eusébio e o gênio Stephen Hawking, físico e cosmólogo britânico, que nos explicou os buracos negros e a expansão do Universo colocando-o numa casca de noz
Foi ou não foi 1942 um ano estrelado? Ainda que essa gente toda tivesse demorado um pouco mais para nascer, quem sabe nascendo no glorioso chicobuarquiano ano de 1944, ainda assim eu agradeceria 1942 por ter me dado um grande amigo: o Juca. Um dia lhes apresento.