Se eu conversasse com Deus/ Iria lhe perguntar:/ Por que é que sofremos tanto/ Quando se chega pra cá? / Perguntaria também/ Como é que ele é feito/ Que não dorme, que não come/ E assim vive satisfeito. / Por que é que ele não fez? A gente do mesmo jeito? Por que existem uns felizes/ E outros que sofrem tanto? / Nascemos do mesmo jeito, / Vivemos no mesmo canto. / Quem foi temperar o choro/ E acabou salgando o pranto?
Quem nunca leu ou ouviu esse lindo e pungente poema? Muitos, infelizmente. A literatura de cordel não costuma frequentar salões e academias. Mas, longe de ser um defeito, essa é, talvez, sua maior virtude: o contato direto com o seu público composto por gente do povo, letrada ou iletrada, que não se limita aos cânones da literatura oficial e acadêmica. O cordel, desde sua origem, teve como marca a maneira irreverente e coloquial de contar histórias. Ele utiliza a simplicidade e a linguagem regional, o que o torna uma expressão de fácil compreensão para todos. As narrativas costumam tratar de histórias fantásticas, de personagens regionais e, principalmente, situações do cotidiano. Dessa forma, as lendas, os temas políticos, as questões sociais, a religião e, claro, o amor fazem parte do universo dos cantadores e poetas.
A literatura de cordel é uma manifestação artística que combina vários elementos, como a escrita, a oralidade e a xilogravura. Expressão cultural brasileira, típica do nordeste do país, tem suas origens no século XII em Portugal, no movimento conhecido como trovadorismo medieval. Essa herança lusitana é fruto de uma época, a Idade Média, em que a tradição oral era uma das poucas formas de divertir, ensinar e informar uma população majoritariamente analfabeta. Preservando e difundindo a história, a arte e a cultura da época, os artistas cantavam, declamavam e representavam, nas praças dos feudos e burgos, as estórias, trágicas e cômicas, vividas ou ouvidas em outros tempos e lugares.
No Renascimento, com a criação da prensa, essas estórias passaram a ser impressas e vendidas em feiras populares. Geralmente, expostas penduradas em cordas, daí o nome de literatura de cordel. Os repentistas e violeiros que cantam histórias rimadas em locais públicos, tal como faziam os trovadores medievais, são os principais divulgadores desse gênero da literatura. Mesmo sendo uma expressão popular e coloquial, o cordel possui uma métrica específica, com o emprego de versos, que requerem o uso de rimas. Portanto, em um bom cordelista ou repentista, estarão sempre presentes a criatividade, o domínio da técnica e a sagacidade, elementos indispensáveis em sua comunicação com o público leitor ou ouvinte.
No dia 19 de novembro é comemorado o “Dia do Cordelista”, em homenagem a um dos maiores artistas do gênero. Nascido neste dia, no ano de 1865, o paraibano Leandro Gomes de Barros é reconhecido como o maior dos cordelistas brasileiros. Autor de obras como “O testamento do cachorro” e “O cavalo que defecava dinheiro”, que serviram de inspiração para o, também paraibano, Ariano Suassuna compor sua obra prima “O Auto da Compadecida”, Leandro foi chamado por Carlos Drummond de Andrade de “Rei da Poesia do Sertão e do Brasil em estado puro”.
Patativa do Assaré (Arte Matuta) e o Cego Aderaldo (Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinhos dos Tucuns) também são grandes referências da literatura de cordel, justamente reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil, com morada permanente no coração dos brasileiros de todos os cantos.