Enviado por-Autora: Anne Jagger
Sobre a autora: Licenciada em Física pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Física Quântica pela própria USP e atualmente fazendo Doutorado na Harvard University (Tese: A relação epistemológica entre a Constante de Planck e o Princípio da Incerteza).
Prezados redatores do blog. Por meio de uma amiga paulistana, como eu, tomei conhecimento do blog “Outros Olhares” e chamaram-me a atenção os textos dos leitores. Fui tomada de emoção pelos textos que relembravam amigos, famílias, lugares e pessoas. Tomei coragem de escrever e já adianto as desculpas por usar um pseudônimo. Vocês vão entender porque não me sinto a vontade para usar a real identidade.
Nasci na capital paulista há pouco mais de trinta anos. Tive uma infância feliz como aquele professor da Vila Nair e do jornalista do Sistema Globo, mas passava a maior parte de minhas férias nas fazendas da família no interior do estado. Claro que a que mais gostava ficava em Dumont, onde meus avôs maternos moravam. Tinha a tranquilidade do interior e era perto de uma cidade grande. Em meia hora chegávamos a Ribeirão Preto, que tinha e tem de tudo.
Em Dumont, as férias eram uma estadia no paraíso: o cheiro do café sendo colhido, a secagem, o ensacamento e o transporte, assim como os pomares, o rio, os currais e as pessoas simples do campo, eram um presente para todos os sentidos de uma criança curiosa e feliz. Todo final de tarde, meu avô contava as estórias de seus antepassados, que saíram de São Paulo de Piratininga para descobrir ouro em Goiás e acabaram fundando cidades, apossando-se de terras virgens e instalando fazendas desde o século XVII. Minha avó, ao lado, lendo seus livros franceses e, de vez em quando, dando ordens para as empregadas nos trazer frutas, doces, sucos e, por fim, o delicioso café.
Claro que eu ficava no paraíso poucos meses no ano. A rotina mesmo era o Sion, colégio tradicional, cheio de regras, de gente esnobe, alguns falidos e, pior, só de meninas. Pior porque isso aguçava a curiosidade e a libido da maioria das alunas. Era o tempo todo livros, revistas e conversas sobre sexo e rapazes. Aquilo me entediava um pouco, mas tinha que participar. De lá fui prá USP onde fiquei 6 anos até vir para cá, em Boston – Massachusetts, fazer doutorado, seguindo os passos de meu pai e meus irmãos, que se graduaram em Harvard.
Não senti choque cultural porque pouco convivi com a gente brasileira propriamente dita. Nosso casulo de quatrocentões, falidos ou não, tem pouco a ver com o Brasil, infelizmente. Adaptei-me ao lugar, mas senti um estranhamento desde o início. Os meninos me olhavam diferente, talvez pelo biótipo: morena, magra, alta, olhos verdes, cabelos lisos bem pretos, destoando das americanas brancas e ruivas e, quase sempre, fofinhas. Por outro lado, as meninas me esnobavam por ser latina, para elas, gente inferior. Aqui meu sobrenome nunca valeu nada, o que não era ruim.
Em trinta dias devo defender minha tese e, qualquer que seja o resultado, volto ao Brasil. Penso que terei a tese aprovada. Nenhum dos orientandos do meu tutor ─– Prof. David Wineland, Prêmio Nobel de Física de 2012 ─– teve tese reprovada em qualquer universidade do mundo. Ele mora em Washington, toda nossa comunicação é virtual; só o vi quando papai me levou para visitá-lo e o convenceu, em nome da velha amizade no campus, a ser o meu orientador.
Pois chego enfim ao meu pedido de ajuda. Voltando ao Brasil, não quero mais aquela vida tediosa e enfastiante da burguesia paulistana. Odeio pensar em retornar ao Paulistano, ao Fasano, Emiliano, Amadeus, no D.O.M e no Freddy, além do manjado circuito dos shoppings JK. Iguatemi e Cidade Jardim. Quero ver e viver o Brasil como ele é, como aparece nos filmes nacionais, nos sambas de morro, a vida real.
Preciso que vocês me indiquem lugares e pessoas. Quero conhecer a Radial Leste, o Brás e as calçadas cheias de barracas e camelôs, mas, principalmente, a periferia da Zona Leste, onde nasceu e morou um grande amigo, que me contava maravilhas daquelas pessoas exóticas. Quero fazer amizade com gente madura, que goste de beber cerveja, vinho chileno, cantar, comer em qualquer lugar, até em churrascarias suspeitas e casas do norte ─ como será, meu Deus? Ter uma turma de amigas e amigos desocupados, meio burrinhos, prontos para um papo sem pé nem cabeça, ávidos por churrasquinho de gato, fazendo vaquinha prá tudo, gastando horas se esgoelando no videokê e postando abobrinhas em grupos de Whatsaap.
Aguardo dicas aqui pelo blog. Um grande abraço aos redatores e aos leitores.