Se estivesse vivo meu pai Natanael estaria completando 102 anos.
Não viveu tudo isso, não reclamo, não posso, nem lamento, Deus sabe o que faz, mas ele queria viver, dizia que iria chegar aos 100 anos. Mas isso não importa, ele foi tão especial, que continua vivo nas nossas lembranças.
Meu pai viveu tempo suficiente para ensinar aos filhos, netos, sobrinhos e agregados, o que é ser honesto, decente, um homem de verdade, ele conseguiu deixar em nós os seus valores.
Ele era o verdadeiro nordestino, trabalhador, veio com 18 anos para São Paulo, com a cara e a coragem, e foi trabalhar na lavoura, lá para os lados de Presidente Prudente.
Inteligente, interessado, mesmo com o pouco estudo, logo procurou uma profissão. Aprendeu sozinho mexer com máquinas e trabalhou em grandes empresas. Briguento, mas justo, se tivesse que defender seus direitos.
Era um homem inteiramente dedicado à família e ao trabalho. Viveu em uma época de altos e baixos, enfrentou crises financeiras do país, a falta de empregos, o salário baixo, mas quando precisava saía de casa às 4h da manhã, andava, pegava trem e ônibus lotado, mas não se atrasava.
Tinha orgulho da casa que comprou e pagou com muito sacrifício, tinha orgulho porque nunca deixou que faltasse o alimento para os filhos e tinha orgulho porque proporcionou aos filhos a chance que ele não teve de estudar. Isso sem falar dos incontáveis sobrinhos a quem estendeu a mão e abriu as portas para que iniciassem a vida na cidade grande.
Era um homem bondoso, até tentou ser rígido com os filhos, mas na única vez que ousou castigar um filho, numa época em que era
comum aos pais educarem através de uma atitude mais violenta, ele chorou e muito, para nunca mais repetir o erro.
Avançado para o seu tempo, piedoso, extremamente carinhoso, muito querido por todos que puderam desfrutar da sua companhia, não poupou esforços para ver todos bem e felizes.
Trabalhou enquanto pôde e demorou, mas realizou também o sonho de ter um carro. Era cuidadoso com sua casa, estava sempre pintando, aumentando, melhorando…Nossa! Quando a gente menos esperava lá vinha meu pai com uma lata de tinta nas costas.
Cinquenta anos atrás, antes mesmo de se ouvir falar em preservar o meio ambiente, em poupar energia, em gastar menos água, meu pai já fazia isso, já reciclava, já plantava árvores, vivia apagando as luzes da casa e dando bronca quando nos descuidávamos com a torneira aberta.
Gostava de música, de dançar, um forró ou um bolero, de beber um vinho ou uma caipirinha, mas sempre na medida certa. Teve tempo de cuidar dos netos, de levá-los à escola, de ensinar a andar de bicicleta, foi presente, muito presente.
Um dia, o Alzheimer chegou. Aos poucos ele foi se esquecendo de nós, mas não perdeu sua essência, se manteve dócil, bom, educado.
São coisas da vida, sobre as quais não temos escolha, então o que é bom, é sempre lembrar do homem mais especial da minha vida, aquele que soube deixar de herança o seu maior exemplo, o amor.
Que lindo texto minha irmã, retratou bem a figura do nosso pai, honrado, trabalhador, e muito amoroso.
Que estória bonita a do Seu Natanael. Não foram apenas exemplos belos que ele deixou. Filhos, também.