Enviado pelo autor: Célia Mudo
Sobre o autor: Artista plástica, graduada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, nos gloriosos tempos em que a Faculdade compartilhava com a Pinacoteca do Estado, o belíssimo conjunto arquitetônico ali no Bairro da Luz, construído pela família Gomes Cardim, de origem lusitana. Com vocação eremita, mais do que escrever, do que gosta mesmo é de colocar a mão na terra ou em quaisquer outros materiais, que lhe permitam criar e dar forma aos seus sonhos de menina.
Nunca pensei em publicar nada. Tenho escritos que gosto, mas para mim. Servem para recordar momentos, e sentimentos, bons ou ruins. Só isso. Muitos eu nem mostraria. Mesmo porque sou bicho do mato. Não é virtude nem defeito; é apenas fato. Se não gostar não precisa me falar. Ok? Sem compromisso. Apenas guarde aí contigo. Ou apague. Combinado?
Algumas pessoas, há tempos, levaram cópias desses manuscritos. Hoje não me inspiro a escrever. Minhas mãos se agitam para outros materiais. Não sei o que se passa. Apenas sinto que vou querendo fazer outras coisas. Gosto da rotina, entendo que ela é boa, principalmente quando traz surpresas agradáveis. Então dou valor.
Meto-me em enrascadas porque quero aprender e fazer muitas coisas. Por muitas vezes lembro de minha mãe, já velhinha com mais de 90 anos, os olhos marejados de lágrimas, dizendo: “minha filha, eu queria tanto ter estudado!” Quando ela foi embora, estava lendo “A Moreninha”. Tinha lido “Cazuza” e ficara encantada com os livros, estes de linguagem mais simples.
Não terminou o último livro. Ficou no criado-mudo, na página marcada. Ao amanhecer, ela já estava em outro lugar. Na última vez que conversamos, eu estava explicando a ela fatos da história, que adorava saber. Então, eu dividia em capítulos…deixa prá lá. Esses dias dei de lembrar demais. Normal.
Chuva sem mensagem concreta. Tão suave a chuva sobre minha cabeça, testemunha a escuridão dos homens escondidos atrás de suas mesas sob o claro meio do dia. Chuva que, se fica à escuta, é um soluço quando os pingos se deitam e aderem aos lodos imundos.
Este teu tom suavizado na noite por algum perfume não pode nunca ser chamado de pecado. Se é assim que, neste mesmo instante, teus braços estão mais soltos, teu coração aberto, tuas mãos mais compreensivas para quem necessite, teus olhos mais atenciosos, teus ouvidos mais generosos, não pode ser pecado não. Este tom de movimento suavizado pra vida de todo dia, é simplesmente ser melhor. E ser melhor não é pecado (para ir e vir).