Um aspecto bastante positivo das últimas eleições foi a redução da polarização, especialmente se comparada à eleição de 2018, quando este fenômeno atingiu níveis perigosíssimos para a boa convivência de amigos, famílias, colegas de trabalho ou simples conhecidos. Claro que as eleições municipais tratam de temas mais locais, quase paroquiais, que não dividem tanto as pessoas quanto os grandes temas nacionais. Além disso, o maior número de candidatos dilui as paixões e favorece as alianças e conciliações de contrários.
Penso, então, que este é um bom momento para conversarmos sobre a polarização: suas causas, a dinâmica de seu funcionamento e, sobretudo, as suas conseqüências. As causas decorrem tanto de fatores positivos como a liberdade de expressão, o maior acesso ao conhecimento e a disposição das pessoas em participar ativamente da sociedade em que vive, quanto de fatores absolutamente negativos como o mau uso e precário entendimento das informações disponíveis, o desconhecimento de regras básicas de civilidade e a total ausência de empatia.
Seres humanos são, por definição, gregários. Se chegamos ao topo na evolução das espécies, isso se deveu bastante à capacidade humana de estabelecer relações e alianças. Além de gregários por necessidade, também, somos comandados pelo nosso cérebro através de um sistema de recompensas e não há recompensa maior para um humano do que ser aceito e reconhecido pelos seus pares. Por natureza, então, tendemos a nos alinhar e conviver com pessoas que pensam e agem de forma semelhante e coerente com nossos princípios e valores.
Sempre foi assim, mas com o advento das redes sociais, o processo se radicalizou. De uma hora prá outra passamos a interagir com milhões de pessoas. Descobrimos, nos mais distantes lugares do globo, gente que pensa como nós, assim como reconhecemos outras, que sempre viveram ao nosso lado, e que pensam completamente diferente. Esse processo ao mesmo tempo em que uniu aqueles, afastou estes.
Essa é a dinâmica da polarização que, para grande preocupação de filósofos, cientistas e humanistas, é causa e efeito dos astronômicos lucros das empresas de mídia e alta tecnologia. Empresas como Google, Facebook, Amazon, Youtube e Instagram, entre outras fomentam informações, opiniões e tendências, falsas e verdadeiras, boas e más e lucram muito com a repercussão que tudo isso causa. Interessante notar que essas empresas criam muito pouco ou nada. Elas não têm um produto específico, ou melhor ( no caso, pior), têm sim: nós.
Nossos cliques alimentam sua colossal base de dados, fornecendo-lhes, de graça, acesso a tudo que pensamos, queremos, precisamos, gostamos, preferimos, fazemos e sentimos. Em posse desse tesouro, seus potentes algoritmos fazem o serviço sujo: criam suas armadilhas de crescimento, engajamento e dependência. Em resumo, mais que manipulados, estamos sendo programados. Programados para o consumo. Por fim, vendem-nos às empresas que poderão direcionar seus anúncios a quem realmente lhes interessa. É a inteligência artificial realizando o sonho dos antigos marqueteiros e das quase defuntas agências de publicidade.
É um caminho sem volta? Não podemos, nem devemos acreditar nisso. Há resistências, inclusive’, dentro das próprias “big techs”. Gente que está pedindo, creiam, ética nos algoritmos. Está em cartaz na Netflix um excelente documentário “O dilema das redes”, no qual essa discussão é aprofundada. Vale a pena assistir e refletir sobre como nos posicionarmos diante do desafio de mantermos nossa individualidade sem sacrificar a participação na construção do futuro.
Por fim, deixo, para reflexão, uma única (há outras) dica para fugir da polarização: conecte-se com gente, sites e blogs que pensam diferente de você. É um excelente exercício para oxigenar ideias. No mínimo, você conhecerá seu “inimigo”. Para provocar, usei a palavra que não devia usar.