Ainda é muito cedo para qualquer avaliação do impacto da pandemia do COVID 19 na evolução da Humanidade. Mais que precipitado, é até presunçoso tentar imaginar como poderá ser, ou quão significativa será, a mudança de rumos que uma tragédia de tamanha magnitude deveria causar nas sociedades humanas. Até os primeiros quinze dias deste agosto já foram registrados, no mundo inteiro, 207 milhões de casos e 4,3 milhões de mortes em 190 países do mundo. Apenas cinco países, entre os 195 reconhecidos pela ONU, não apresentaram casos da doença, entre eles, as remotas ilhas do Pacífico Sul: Tonga, Tuvalu e Nauru e dois países continentais, a Coréia do Norte e o Turcomenistão. Sendo esses dois últimos ditaduras rigorosamente controladas, não é razoável acreditar em suas próprias informações.

Entretanto, é possível, a partir de comparações entre a COVID 19 e as outras duas grandes pandemias globais, a Peste Negra e a Gripe Espanhola, imaginar que haverá mudanças de comportamentos, de movimentos e de relacionamento entre as pessoas e os países. Todas essas pandemias tiveram altos índices de transmissão e letalidade, mas de forma decrescente, se consideramos a proporção de casos e mortes em relação à população de cada época. A Peste Negra teria exterminado quase 1/5 da população mundial; a Gripe Espanhola pouco mais que 5% e a COVID, até o momento, matou menos que 0,1 por cento da população mundial e menos que três por cento das pessoas infectadas. De qualquer forma, em termos absolutos, os números atuais, são expressivos e assustadores.

A Ciência é a única responsável pelos efeitos decrescentes das pandemias globais. Mesmo no século XIII, foi a observação científica que induziu a população e governantes a observância das raras medidas que podiam amenizar e, mais adiante, controlar a Peste Negra. Isolamento social, construção de cemitérios fora das áreas habitadas, montagem de hospitais e lavagem das igrejas foram medidas implantadas por recomendação de estudiosos e que perduraram após o pico da doença, com consequências altamente positivas para a saúde das gerações seguintes. Igualmente, a Gripe Espanhola, em outro estágio da Ciência, trouxe significativos avanços na área de medicamentos, em especial, os analgésicos e anti-inflamatórios e nas medidas de profilaxia, intensificando, além do isolamento social, o uso de máscaras e higienização de ambientes públicos.

É interessante notar outras semelhanças entre as pandemias globais. Em todas elas estiveram, e estão, presentes o negacionismo, as falsas teorias da conspiração (terrenas ou divinas) e os tratamentos ineficazes. Na idade Média, a Peste Negra foi tida como castigo divino e poderia ser “curada” com jejuns e orações. No século XX, a Gripe Espanhola, aqui no Brasil, chegou a ser classificada como uma invenção alemã para ganhar a Primeira Guerra Mundial. Formol, quinino, aspirinas, mingau e caldo de galinha eram a hidroxicloroquina e a ivermectina da época. É importante ressaltar que todo esse esforço de ignorância não foi de todo perdido. Em São Paulo, recomendava-se a mistura de cachaça, limão e mel para combater os sintomas da doença. Passada a pandemia, trocaram o mel pelo açúcar e estava inventada a caipirinha. Neste caso, saudemos a ignorância. Viva!

A ignorância coletiva pode ser justificada e compreendida no século XIII, assim como, em alguns aspectos, no início do século XX, pelo estágio civilizatório e científico. Entretanto, tem chocado as mentes mais abertas a persistência dessas crenças em pleno século da informação, como é caracterizado nosso século XXI. Ainda assim, há razões para otimismo, ou seja, para crer que as lições aprendidas servirão de suporte para novas iniciativas positivas no campo da saúde pública e do comportamento humano. 

Da mesma forma que a Peste Negra contribuiu para o fim do feudalismo, que a Gripe Espanhola mostrou a necessidade de serviços públicos de saúde e de previdência social, a COVID 19 escancarou a importância da Ciência. Nunca houve uma resposta tão rápida e assertiva para uma emergência; a maioria dos governos agiu de acordo com essa resposta; houve uma compreensão quanto a proteger grupos mais vulneráveis e, principalmente, ficou patente de que globalização não é uma questão apenas de aspecto comercial. Estamos, todos os terráqueos, definitiva e inexoravelmente, conectados. Somos todos sujeitos de direitos e obrigações no futuro que estamos construindo. A responsabilidade é nossa.

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Salmon
Salmon
3 anos atrás

Não há mal que sempre dure… toda crise é uma oportunidade. Daremos sempre um passo à frente. O mundo será melhor amanhã. Sempre foi assim. Será melhor mesmo sem a contribuição de todos. Quando falamos do passado lembramos apenas algumas coisas boas, porém numa comparação, o presente é muito melhor e o futuro será explendidamente melhor. Essa é a minha fé, mesmo que venham outras covides.

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