AUTOR: Jean Claude da  Silva Telles.

Sobre o autor:  Jean Claude, 58 anos, é paulistano de Ermelino Matarazzo, engenheiro mecânico formado pela OMEC na turma de 1987. Emigrou para os Estados Unidos em 1990, logo após ter suas parcas economias confiscadas por Zélia  Cardoso, futura mulher de seu ídolo, Chico Anísio.  Vive lá há 31 anos e, atualmente,  é  agente controlador de acesso (doorman) na Biblioteca do Congresso do Estados Unidos,  em Washington DC. Foi atleta  do Pula Muro FS  no ano de 1982. Jogou 39 partidas e fez 16 gols, sendo o vigésimo  primeiro colocado entre os artilheiros na história  da agremiação.  

De antemão,  aviso aos leitores: eu não sou o melhor cronista dessa história.  Primeiro, por tê-la vivido muito pouco,  não chegou a um ano. Muito do que sei, foi por ter ouvido falar. Por vezes, de fontes  primárias: dos fundadores, sempre econômicos em palavras e gestos, com  quem convivi em 1982; de torcedores fanáticos, porém lacônicos, e de soturnos historiadores dos anos 70 e 80. Mas, na maioria das vezes, em conversas sussurradas, ouvidas no breu das docas, suspiradas em alcovas,  em mercados suspeitos, becos escuros e botecos sórdidos.  Há  um manto espesso de névoa,  que teima em cobrir e esconder a origem e os fatos que contariam a historia de duas décadas de fulgurante sucesso, seguido do mais cruel e insondável ostracismo.

Há pelo menos três pessoas, que poderiam contar melhor essa saga. São fundadores ou jogaram por muito tempo, estiveram no centro dos acontecimentos e guardam segredos inconfessáveis e documentos reveladores . Poderiam contribuir muito, mas não o fazem, cada qual com sua desculpa. O primeiro porque não gosta de escrever. Nem mesmo relatar alguns  de seus 897 gol em 714 jogos. Artilheiro máximo da história da equipe, com média de 1,256 por partida, média superior à do Rei Pelé em sua melhor fase (1958-1965). O segundo escreve para quem já conhece a história. Apesar de compleição física, totalmente inadequada para o esporte, tornou-se o mais lendário dos grandes craques que por ali passaram. Uma fortaleza, uma barreira quase intransponível, terror dos atacantes, um goleiro padrão Gordon:  seja o Banks do English Team, seja o mordomo da Família  Trappo.

O terceiro não escreve por puro pedantismo. Deve achar o tema um assunto menor entre tantos outros de que se ocupa. Arrogante, egocêntrico e hedonista prefere gastar suas letras desacatando e desancando  aqueles a quem chama de amigos, apenas porque ousam discordar de suas posições radicais.  Vale-se de qualquer pretexto e ocasião para difamar e vilipendiar nosso querido, competente,  diligente,  inteligente e honesto Presidente da República, o Mito. Mas, deixa estar, 2022 tá logo ali. Reelegeremos o Messias, desmoralizando essas pesquisas fajutas e compradas. E depois de despachar essa corja de comunistas esquerdopatas  para Havana, Caracas e Pyongyang, refundaremos a República. Na nova República Federativa Miliciana do Brasil vamos trazer de volta as escolas de datilografia, a Brilhantina Glostora e as meias finas com vinco.

Mas, vamos voltar ao que interessa. Do time não se sabe sequer a data de fundação. A maioria sustenta que foi numa Sexta Feira Santa, mas não há consenso quanto ao ano. Deve ter sido entre 1976 e 1978. Se o primeiro jogo oficial  aconteceu em 9 de julho de algum daqueles anos, como argumenta o lendário goleiro, então teriam levado quase três meses para providenciar o primeiro uniforme e treinar as formações ideais. Parece muito, mas se considerarmos que as reuniões aconteciam nas manhãs de domingo no “nosso”  bar, é  preciso dar o devido desconto. O estado etílico da diretoria e dos atletas não ajudava muito na tomada de decisões.  Ainda assim, conseguiu-se o consenso quanto às cores e o símbolo da agremiação: branca, preta e  amarela e um garoto pulando um muro. É tudo que se sabe da fundação. Mas, o estatuto não esclarece isso?

Parece incrível. No núcleo fundador da equipe havia três juristas de destacado renome, reputações ilibadas e notável  saber jurídico. Um deles, também atleta, merecedor de um Prêmio Belfort Duarte pela sua discrição e fidalguia nas quadras.  Pois bem. Elaborado o estatuto por essa comissão de notáveis,  não foi possível levá-lo à Assembleia Geral para aprovação.  Sucessivos adiamentos,  ações cautelares, rachas na Diretoria e, por fim , o sumiço da versão original, até hoje não encontrada. Mas, pior, muito pior do que a falta de estatuto, é a completa e absoluta falta de registro fotográfico que comprove a existência durante duas décadas de um entidade sabidamente importante e fundamental para a história do salonismo continental. 

Não estamos falando de fatos do início do século. Isso ocorreu entre 1976 e 1996, quando o mundo já era feito de imagens. Entretanto, por misteriosas razões, a única foto que restou, comprova, apenas,  a existência do primeiro uniforme. Vestido por outros jogadores estranhos ao time. Sabe-se que a Diretoria emprestou seus uniformes para um amistoso de veteranos, os tais da foto sobrevivente. Para o Pula Muro FS vale a máxima que ouvi, outro dia num bar da South Capitol Street,  de um filósofo ainda sóbrio, relembrando “ O homem que matou o facínora”: “Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda.”

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