Considerado hoje pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma das dez maiores ameaças à saúde global, junto com as mudanças climáticas, a poluição, a dengue, o ebola e o HIV, o movimento antivacina é tão antigo quanto a própria vacina. Existe desde que o médico e naturalista britânico, Edward Jenner, no final do século XVIII, fez os primeiros estudos e desenvolveu a técnica, que possibilitou a imunização de seres humanos contra a varíola, até então tida como uma sentença de morte ou de deformidades permanentes para quem a contraísse.

Em sua época, a sabedoria popular já espalhava que pessoas que trabalhavam com o gado bovino, mesmo contraindo a doença, não desenvolviam formas graves da varíola e, mais raramente ainda, chegavam à morte. Então, Jenner resolveu tirar amostras do pus de feridas em tetas de vacas doentes e, em alguns casos, de pessoas que contraíram a varíola bovina, e as aplicou sobre arranhões intencionalmente feitos nos braços de um menino. O cientista observou, nos dias seguintes, que o garoto contraiu uma forma leve da doença e, em pouco tempo, se recuperou. No experimento seguinte, Jenner aplicou no mesmo menino amostras de pus de uma pessoa infectada com a varíola humana. O menino não contraiu a doença. Estava imunizado pelo primeiro experimento. Estava inventada a vacina.

Aqui vale um parêntese: no mundo antigo, especialmente na China e no Oriente Médio, já existia a variolação, técnica de imunização, que consistia em inocular crostas secas da ferida da varíola na pessoa a ser imunizada.  Os chineses moíam essas crostas, aqueciam até vaporizá-las, reduzindo a carga viral (conceito desconhecido na época) e sopravam no nariz do paciente.  A vacina é, portanto, uma atualização do conceito e da técnica da variolação.

Entre os primeiros experimentos e a aceitação da vacina pela British Royal Society of Medicine transcorreram-se mais de dez anos, período em que já se pôde perceber a resistência que as vacinas encontrariam nos séculos seguintes. Como de hábito, os primeiros grupos antivacina usaram argumentos religiosos como a sacralidade do corpo humano, criado por Deus à Sua semelhança, que estava sendo contaminado por secreções animais. Sempre houve, também, quem visse a vacinação, como uma intromissão do Estado na vida privada do cidadão. Leis e decretos de vacinação obrigatória, ainda que por períodos limitados, foram motivos para manifestações e revoltas no mundo inteiro, sendo a mais conhecida, entre nós brasileiros, a Revolta da Vacina de 1904.

Entretanto, a mais bem sucedida e, portanto, nociva, carga contra as vacinas ocorreu já no final do século XX, e não se deveu a motivos religiosos ou cívicos. Em 1998, o médico inglês Andrew Wakefield publicou na Lancet, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, um estudo relacionando casos de autismo à aplicação da vacina tríplice viral. Ainda que o estudo tenha sido prontamente respondido pela comunidade científica e execrado pela própria revista Lancet, com evidências comprovadas de fraude, o estrago já estava feito, ajudado pela cobertura favorável ao movimento pela mídia conservadora, especialmente nos Estados Unidos. Algumas celebridades, como Demi Lovato, Jim Carrey, Robert de Niro e Alicia Silverstone, também, já deram declarações públicas contra a aplicação de vacinas. Um desserviço à saúde e à ciência.

Mais recentemente o movimento antivacina adquiriu contornos ideológicos, tornando-se uma das bandeiras de grupos da direita radical, primeiro nos EUA e depois no mundo, inclusive o Brasil. Sites e blogs propagam mentiras e causam medo e desinformação. Em sua esteira, reaparecem casos de sarampo e de poliomielite, dificulta-se o combate ao coronavírus, negam-se verbas para pesquisas e, pior de tudo, desmerece um trabalho de séculos, que já salvou bilhões de pessoas do sofrimento, da invalidez e da morte. Será que estamos precisando de um novo Iluminismo?

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