AUTOR: Helvídio Mattos
Sobre o Autor: O paulistano Helvídio Mattos nasceu na Vila Clementino, bem ao lado da Vila dos Jornalistas, uma premonição que deu muito certo para si e para todos os que gostam do bom jornalismo. Apaixonado por futebol desde menino, foi peladeiro nos campos de terra da vila, onde brincava de ser Gylmar, Mauro, Zito e Pepe, sem atrever-se a ser Pelé, a quem entrevistaria por diversas vezes durante sua longa carreira, ainda em andamento, apesar de se declarar aposentado. Além do amor pela bola, cultivava, também, o saudável hábito da paquera, que ele conta melhor em seu delicioso texto. Sua vida de repórter o levou a percorrer, com a mesma dignidade e autenticidade, becos de favela e salões de palácios. Igualmente, cobriu desde inúmeros Jogos Abertos do Interior até sete Copas do Mundo, seis Jogos Olímpicos e cinco Copas Africana de Nações. Teríamos muito mais a dizer sobre esse extraordinário jornalista, mas vamos guardar para sua próxima vinda aqui. Muito em breve, como nosso entrevistado.
Todo sábado de noite a turma fazia o mesmo caminho em busca de emoções e prazer.
Aglomerados ou separados em duplas, o grupo de amigos subia a Pedro de Toledo e caminhava oito quarteirões até a escola, palco de bailes memoráveis.
Antes mesmo do meio da caminhada, uma parada obrigatória. No balcão do bar da esquina, muitos deles gastavam o único dinheirinho que tinham em doses de Fogo Paulista que lhe dariam leveza de espírito e coragem para tirar as moças para dançar.
Quase nenhum deles se esquecia do chiclete de bola para disfarçar o cheiro da bebida na hora H.
Ao entrar no ginásio da escola, onde os bailes aconteciam, a primeira providência da turminha era olhar e vasculhar o ambiente formado por jovens ouvindo música jovem e sacudindo seus jovens esqueletos. A volta pelo salão era dada com olhos atentos, com narinas farejando o odor de perfumes, e com o coração batendo um pouco mais acelerado. Ao contrário de outros animais de caça, que se escondem até o último minuto antes do ataque, os amigos queriam ser vistos, queriam se mostrar viris, queriam trocar olhares e sorrisos com elas.
Havia aqueles que não se atreviam ir além dessa volta. Ao fim dela, era comum um ou outro encostar na parede e permanecer ali até que surgisse a chance de uma moça cruzar o seu olhar. Às vezes isso jamais acontecia. E lá ficava ele de costas na parede, mãos no bolso da calça Lee, cruzando o pé sobre o outro para descruzá-los cinco minutos depois.
Cantarolar a música que ouvia ajudava o tempo passar mais depressa, mas maldizer a si próprio por não ter tomado mais uma ou duas doses do Fogo Paulista tinha sentido inverso. O colocava em uma situação de inferioridade, especialmente quando via seus amigos dançando ou conversando com alguma moça.
Não era incomum, nessas divagações, seu olhar atravessar a cortina de pernas, troncos, braças e rostos sorridentes e se fixar na menina sentada no outro lado do salão. Parecia que ela também olhava para ele.
Será? Sim, ela também olhava em sua direção. Pelo menos, ele tinha certeza disso.
A incerteza sobre o que fazer se abate sobre o garoto que já tinha tirado as mãos do bolso, já havia descruzado os pés, ficado com o corpo ereto e afastado as costas da parede.
E agora, o que faço? A vontade era ir até lá e tirar a moça para dançar.
Melhor esperar uma música lenta, falou para ele próprio e passou a bolar uma estratégia.
Chego nela e já falo que eu amo essa música e que quero dividi-la com ela. Vamos dançar?
Enquanto decora a frase e o gestual que fará a garota se impressionar ele vê, desgraçadamente, um cara se aproximar e tirara a menina para dançar assim que a música lenta começa a tocar.
Acabrunhado, puto com ele mesmo, o jeito é encostar novamente na parede e esperar que uma outra chance apareça.