Por Cristina Bonafé
Não eram mais as bonecas nem as cirandas. Agora os jogos de Vera eram outros: o flerte encabulado, confidências e segredos compartilhados somente com aquela amiga, versos e provérbios no caderno, o diário secreto, o álbum de recordações a sedimentar as mensagens de todos os amigos. Havia também os bilhetes cravados por desenhos de corações e cupidos, jamais entregues ao destinatário. Deixados de lado por puro desinteresse, a mobília e os utensílios da casinha de faz de conta foram doados à irmã mais nova.
A menina agora brincava de ser gente grande, com o corpo recém espichado, arregalando os olhos e vislumbrando o futuro. Seria como a tia a dirigir o carro, a vizinha a se maquiar para o baile da noite, a prima a entrar na faculdade, a irmã da amiga a preparar o enxoval de casamento.
Ir para a escola era mais que estudar. As aulas de Matemática, Ciências ou Português do Curso Ginasial tinham também o significado de estar lá, ao lado dele. Carlos, o menino por ela eleito, o mais lindo e charmoso da classe era, na verdade, encabulado e quieto. Mas, nos eventos escolares, arrasava quando dedilhava sua guitarra nas apresentações para o público estudantil que lotava o auditório da escola. Dos quatro estudantes músicos de sua banda, Vera tinha olhos e ouvidos apenas para ele. Nas aulas, ela se sentava em um lugar estratégico onde poderia vigiá-lo e, ao mesmo tempo, cochichar sobre o que via com a amiga confidente.
Também a amizade com a irmã dele lhe foi bem oportuna para dar continuidade à sua persistente sondagem. Nos finais de semana, nem precisava estudar para tê-lo ao seu lado. Bastava uma visita a sua casa, um bate-papo com a amiga e pronto, podia olhar seus olhos verdes e sua tez bronzeada sob o cabelo castanho mesclado de loiro e caído na testa. O sorriso de Carlos lhe preenchia o coração que pulsava o sangue desnorteado pelo aflorar dos hormônios da adolescência.
Numa destas tardes de sábado, depararam-se, por uns poucos instantes, apenas os dois em um solitário canto da varanda. Vera percebeu que ele reduziu ao máximo a distância, sentando-se no mesmo banco. Puxou um assunto qualquer, ela nem sabe o que ele lhe falou ou o que ela respondeu. Vera então sentiu as pontas dos dedos de Carlos resvalar nas suas unhas – prendeu a respiração e o pensamento. Como num bote, Carlos apertou sua mão e ela se sentiu atada. A mão de Carlos cobriu a sua, suada por um calafrio que deveria ser de gente grande. Segurou a mão de Vera como se tocasse num doce proibido. Instante relâmpago, mas duradouro – reverberou por dias.
No namoro do namoro que se seguiu, a garota deslumbrava-se ao tomar sorvete na companhia de Carlos, frequentando regularmente a padaria em frente à escola antes de se despedirem para cada um tomar seu ônibus de retorno para casa.
Já era primavera de 1969. Um sábado morno e despretensioso foi motivo para outra visita à casa de Carlos, quando um cálido instante os levou novamente à varanda. Solitários, sentaram-se naquele mesmo banco.
Nesta tarde que ainda não anoiteceu, ele a olhou, mas não parecia ver seu rosto, parecia ver sua alma. Almas se entendendo, já não precisava olhá-la. Fechou as pálpebras e, em mútua cumplicidade, tocaram-se os lábios de Vera, encharcados de inocência púbere, e o hálito jovem, ainda secretamente puro, de Carlos, da forma como somente os namorados poderiam ousar.
A menina provava o gosto do primeiro beijo – o sabor da pimenta a pegar fogo e da gota de orvalho a refrescar. Um sentimento surgindo e um novo sentido ao que sentia. Um não e um sim. Não era mais criança, era namorada.
Cristina Bonnafé – Fonoaudióloga e escritora
Caros Leitores,
Com muita atenção e carinho, li todos os comentários aqui postados.
Fico muito grata a todos vocês por dedicarem sua leitura ao meu texto e pelas suas manifestações que muito me incentivam.
Agradeço, especialmente, a Odila, Elena e Humberto que prestigiaram meu texto e nos possibilitaram este espaço de troca.
Epero nos encontrarmos aqui em breve para mais trocas de sentimentos e de fatos reais ou imaginários.
Grande abraço a todos!
Quem nunca sonhou com esse momento realizado ou não?
Ah, a pureza da adolescência…
Obrigada por comentar. É um excelente texto