É bastante comum que algumas palavras ou expressões entrem na moda por algum tempo, aparecendo com destaque em todas as mídias e, por consequência, caindo na boca do povo. No último ano, aqui no Brasil, podemos identificar uma palavra que frequentou todos os debates e conversas em mesas de jantar e de bar, lives, postagens nas redes, artigos de jornais e revistas e programas de rádio e televisão: Negacionismo.
O Negacionismo, antes restrito à Psicologia, à Psicanálise e à História, adquiriu, nos últimos quinze meses, contornos dramáticos, principalmente, quando transformado em política pública de saúde. Mas, não pretendo falar de pandemias, tampouco discutir tratamentos e medidas preventivas. Já tem muita gente falando disso. Assim, como eu, muitas pessoas não suportam mais esse assunto, por si, já tão incômodo e dolorido.
Negacionismo e negacionistas sempre existiram. Desde sempre se negou de tudo. Ainda há quem desconfie do modelo heliocêntrico de Galileu e da esfericidade da Terra, fato que, desde Aristóteles, os gregos já sabiam. Para alguns, o pouso na Lua foi obra de Hollywood e não da NASA. O Holocausto é invenção de sionistas. E, para outros, Elvis, Michael, Lennon e Guevara vivem, reclusos, em ilhas do Pacífico, guardados por seitas apocalípticas a espera do Juízo Final, que será transmitido ao vivo pela emissora do Bispo, com apresentação do Datena. Por essas mesmas mentes criativas, a Globo, endividada e falida, não participará da concorrência pelos direitos de transmissão, contentando-se em mostrar, no mesmo horário, a partida da série D do Brasileirão entre o Corinthians e o Quatro de Julho, ambos precisando da vitória para fugir do rebaixamento.
É um exercício inútil contestar negacionistas, porque eles, jamais, mudam de ideia. Quando muito esquecem o assunto por um tempo e voltam a ele tão logo a oportunidade apareça. Vivemos num tempo cheio de oportunidades e espaços para os negacionistas e, somente por isso, atrevo-me a contestar uma de suas “verdades”, apenas para marcar posição, sem a menor pretensão ou ilusão de ser ouvido ou entendido.
Uma das teorias negacionistas mais recorrentes prega que não houve ditadura no Brasil no período de 1964 a 1985, fato nunca negado nem mesmo pelos generais e políticos que mandaram no país nesse período. O fato de ter matado menos que as ditaduras chilena e argentina, de nossos ditadores usarem terno e gravata, de abandonarem no dia da posse os soturnos óculos escuros e, principalmente, da maioria da população ter passado incólume pelo período, livre da cadeia e de torturas, não absolve o regime militar de suas culpas e atrocidades. A ditadura não se define pela quantidade de atingidos. Ela se define pelas restrições de liberdade política, cultural e artística, pelos assassinatos, pelos desaparecimentos, pelo exílio de muitos, pelos suicídios e “suicídios” de alguns e pelas prisões arbitrárias. Ainda que fosse uma única pessoa assassinada ou desaparecida, por razões ideológicas, e esta fosse seu filho ou filha, como você definiria o regime que a vitimou?
É certo, também, que a maioria dos russos e alemães passou ilesa pelas ditaduras de Hitler (doze anos) e Stalin (vinte e nove anos). Mataram “apenas” cinco milhões de seus compatriotas. A Segunda Guerra e o Holocausto mataram muito mais. Isso absolve os dois tiranos? Lembrando que nos dois países ocorriam eleições regularmente, exceto para a chefia do Executivo e limitadas aos partidos consentidos. Exatamente como aqui.
Pode se argumentar, com bastante razão, que o período ditatorial foi mais severo e truculento durante a vigência do Ato Institucional 5, de 13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978. Então, pelo menos para esses dez anos, não poderiam restar quaisquer dúvidas e se elas ainda existissem, bastaria ler o Artigo 11 do malfadado Ato: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.”. Não havia justiça. Então, estávamos numa ditadura. Ponto.
Quem nega a História está fadado a vê-la se repetir em seus erros e absurdos. O Brasil não merece passar por isso outra vez.