Por Simone Lira
Houve um tempo em que não existiam lâminas de barbear descartáveis. Os homens, naquele tempo, compravam uma caixinha cheia de lâminas de barbear e estas, eram colocadas em um aparelho de metal para serem utilizadas. Depois de algum uso, as lâminas perdiam o corte e eram descartadas no lixo.
Também naquele tempo, as crianças brincavam muito na rua e em terrenos baldios, porque os bairros tinham menos casas e mais terrenos, quase não havia perigos em brincar na rua com os amigos e muito menos em explorar terrenos baldios.
Foi assim que a menina Patrícia cresceu na década de 1970. Os terrenos baldios perto da casa da menina eram cheios de florzinhas que nasciam no mato. Eram florzinhas que a própria natureza colocara ali. Não eram cheirosas, mas embelezavam com suas cores vivas.
A gente sabe instintivamente que onde tem flor, também tem borboletas e, por isso, depois do café da manhã, a menina Patrícia pegava um saquinho plástico e ia brincar de caçadora de borboletas. Havia uma variedade enorme de borboletas: grandes, pequenas, branquinhas, azuis, pintadinhas e riscadas ou com mais de uma cor em suas asas. Patrícia esperava a danadinha pousar e fechar as asas. Então, devagarzinho, pegava a borboleta e colocava em seu saquinho. A brincadeira acabava quando a mãe dela gritava lá da porta:
-Patrícia, saia desse sol quente! Venha almoçar!
Em uma dessas manhãs, quando bancava a caçadora de borboletas, ela viu algo brilhando no chão daquele terreno. Curiosa que era, foi olhar de perto: era uma lâmina velha.
-Puxa vida! Meu pai usa uma lâmina dessas para fazer a barba, mas nunca me deixou pegar, porque acha que vou me machucar. Vou levar esta lâmina pra casa e ver se ela ainda está boa pra cortar.
Patrícia pensou se deveria pegar a lâmina. Parecia ouvir o anjinho da guarda falando: “Deixa essa lâmina aí”, mas mesmo assim pegou.
Depois do almoço, Patrícia pensou que estava na hora de testar o corte da lâmina. Pegou umas folhas de papel, a lâmina e foi para a sala. Colocou o papel em cima do sofá de couro e passou a lâmina sobre o papel, fazendo várias figuras geométricas. Fez quadrados, fez losangos, fez triângulos e muito mais.
A menina se divertiu cortando as formas geométricas. A lâmina estava afiada, mas teve que recolher os papéis do sofá quando o pai dela veio assistir televisão na sala.
O probleminha aconteceu quando o pai da Patrícia sentou no sofá.
Ele era um homem com mais de 1,90m e tinha 120 quilos. Quando ele sentou no sofá, a Patrícia descobriu na mesma hora, que a lâmina estava boa mesmo, pois além de cortar o papel, a lâmina cortou o couro do sofá. Adivinhe o que aconteceu quando o pai dela sentou?
-Ai Caramba!! Tô frita! Disse a menina.
Patrícia, só de olhar a cena do sofá rasgando, sentiu um frio na barriga. A mãe da Patrícia, nessa hora entrou na sala com a calça jeans da menina na mão e perguntou:
– Como é que você conseguiu fazer este corte na perna da sua calça?
Pois é, antes de treinar no papel, ela já havia feito o teste lá mesmo no terreno baldio, usando a sua própria calça como cobaia.
O desfecho da história foi a confissão de que havia trazido a lâmina escondida, uma semana de castigo sem caçar borboletas, uma calça costurada e um sofá rasgado.
Hoje, quando se lembra dessa história, Patrícia pensa:
-O problema é que naquele tempo não existia internet para pesquisar! Então eu usava meu próprio site de pesquisas: minha curiosidade! Ousei saber!
Simone Lira: Fonoaudióloga há 30 anos. Autora de dois livros com histórias para atuar em terapia para dificuldades de leitura e escrita. Agora se aventura a escrever para outros públicos.
Estou adorando, neste Blog, conhecer nossas colegas fonoaudiólogas escritoras.
Excelente!!
Tempos das lâminas, do leite em litros de vidro, do álcool 92 e do Biotônico Fontoura. Sobrevivemos sabe Deus como.