Não é nenhuma novidade o crescimento exponencial do número de pessoas inadimplentes, fenômeno antigo e recorrente no Brasil,  mas que adquiriu contornos ainda mais dramáticos com a crise econômica causada pela pandemia da COVID 19. Estima-se em mais de sessenta milhões, a quantidade de cidadãos e cidadãs, que têm prestações em atraso em dívidas contraídas junto a bancos, financeiras, operadoras de cartão de crédito,  concessionárias de serviços públicos e no comércio de bens e serviços em geral. Entre essa multidão, há, ainda, uma parcela substancial de brasileiros, cuja própria sobrevivência material está ameaçada pelas dívidas que carregam. São os chamados “superendividados”. 

A situação atingiu níveis tão preocupantes, que fez o Congresso voltar suas atenções para um projeto de lei,  que tramitava, em passos de tartaruga, há mais de dez anos. Desse trabalho  legislativo, surgiu a Lei 14.181/21, sancionada no último dia 2 de julho pelo Presidente da República. A mencionada lei atualiza o Código de Defesa do Consumidor e trata de pontos fundamentais para a proteção do cidadão em suas operações de crédito. De um lado, a lei foca na prevenção, ou seja,  busca evitar que se chegue a situação de superendividamento. Do outro lado, trata da renegociação, ou seja, dos remédios aplicáveis  no tratamento da doença.  A lei torna direito básico do consumidor e obrigação do credor práticas de crédito responsável, de educação financeira e prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial. Cria, também,  instrumentos para prevenir abusos na oferta de crédito para idosos e vulneráveis. 

Para entender melhor o espírito da lei, é  preciso compreender, de imediato, dois dos principais   termos por ela tratados:

1- Superendividamento é a impossibilidade real do consumidor,  de boa fé,  de pagar suas dívidas de consumo, sem comprometer seu mínimo existencial.

2 –  Mínimo existencial é o valor mínimo necessário para a sobrevivência material. Pela lei, esse mínimo existencial não pode ser comprometido ou ameaçado, seja na contratação da dívida, seja na sua renegociação.  Por certo, este item vai gerar muitas discussões, inclusive na Justiça, porque tem caráter por demais subjetivo. Como definir o que é o mínimo existencial para cada indivíduo? 

A lei obriga bancos, financeiras e o comércio a informar ao consumidor todos os detalhes do contrato de financiamento como taxa de juros, valor total a ser pago, valor em separado do principal e juros,  o direito de antecipação de pagamentos com redução de valor e o direito de renegociação. Proíbe propaganda de oferta de crédito do tipo ‘sem consulta ao SPC e a outros órgãos de avaliação de crédito”. Pune empresas que praticam assédio para oferecer crédito,  em especial para idosos e vulneráveis. Torna nulo contratos que restringem o direito do devedor de recorrer à Justiça e dificultem o restabelecimento dos direitos do consumidor após a quitação ou renegociação.  

Porém, a maior novidade trazida pela Lei 14.181 é tornar acessível, também para pessoas físicas, o processo de recuperação judicial, tal como já ocorre com as pessoas jurídicas.  O consumidor poderá solicitar ao juiz a citação e convocação de todos os seus credores, para que ele, o devedor, apresente um plano de pagamento com valores, descontos  e prazos definidos até o máximo de cinco anos. Realizada a assembleia entre devedor e credores e obtido algum  acordo, o juiz fará a  homologação. Com a homologação são interrompidas as ações judiciais de cobrança e o nome do devedor será retirado do cadastro de inadimplentes dos órgãos avaliadores de crédito. Não estão contemplados na lei e, portanto, não podem ser incluídos em processos de recuperação judicial,  financiamentos imobiliários, dívidas com garantias reais e dívidas feitas com a intenção de não pagar.

Se você estiver na situação de superendividado, pense nas opções que a nova lei oferece, mas, de preferência com a assistência de um (a) advogado (a). 

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