Outro dia escrevi aqui sobre um ano estrelado. Deve haver vários outros anos tão estrelados e especiais como aquele. É bastante provável que cada um de nós tenha o seu ano inesquecível, marcante e presente em nossas melhores lembranças. Seja o ano do casamento, do nascimento do primeiro filho, da formatura, da primeira longa viagem, do dia que saímos de casa, do primeiro grande amor e tantas outras memórias que povoam nossas mentes em tempos de confinamento e reflexão.

É estranho constatar que nesse ano de 2020 esses eventos ocorreram em muito menor quantidade na vida de todos. Não deixaram de acontecer, é claro, mas nos afeta, imensamente, saber que, talvez pela primeira vez, tenhamos recebido e vivido mais notícias ruins e desagradáveis do que em qualquer outro período de nossa existência. Sendo essa uma verdade para quase todos os seres humanos, como será lembrado, daqui há anos, décadas ou séculos, o ano de 2020?  Certamente nossa geração não lerá o que o século XXII vai pensar e discutir sobre o “el año terrible”, mas podemos especular sobre um futuro mais próximo.

Há um 2020 para cada um de nós e um 2020 para a Humanidade e a Sociedade e é este que será lembrado pela História. É sobre ele que voltamos nossos pensamentos, retornando a Janeiro, quando soubemos de uma gripe na China, um pouco diferente das demais que aparecem todos os anos. Em menos de dois meses, ela já estava entre nós, tinha um próprio nome e virou de cabeça prá baixo nossa rotina. Subitamente, nos vimos apartados de nossos filhos, pais, amigos, colegas de trabalho, qualquer um que não morasse em nossa casa. Restringimo-nos ao espaço de alguns metros quadrados, aumentamos nosso tempo no computador, na televisão e no celular e aprendemos, rapidamente, a comunicação virtual, pelo menos aqueles que não a dominavam.

Essa foi, talvez, a única coisa boa que a pandemia trouxe.  Todo esse aparato tecnológico já existia e, por preguiça intelectual, nos recusávamos a aprender a usar. De uma hora prá outra nos tornamos íntimos de aplicativos de compra, entramos de cabeça nas redes sociais e começamos a dar valor a cada canto de nossa casa. O automóvel perdeu importância para a televisão, o sofá, a pipoca, as lives e as videochamadas. 

Voltamos a sentir saudades de nossos filhos, netos, pais, tios, dos amigos, do jornaleiro, do café da padoca e do sorvete no shopping. Esse foi o primeiro momento, o da adaptação. Foi mais desconfortável que doído. O pior viria em seguida: o medo, a preocupação com as pessoas, e por fim, as perdas. Sempre devastadoras, sem a chance do conforto de um abraço, de um choro no ombro e de uma despedida digna. Apenas a angústia do vazio, da falta, da dor e da incerteza. Chegamos ao final do ano. O clima geral melhorou, enfim. Mas, ainda estamos longe de um retorno à normalidade. Há luz, mas o túnel é bastante longo.

E o que aprendemos? Decerto, entre tantas verdades, nada que já não soubéssemos: a certeza da finitude e da impermanência de tudo que existe, a interdependência humana, a necessidade de aprender a aceitar a imperfeição da vida e a permanecer no presente. Nunca tivemos tanto tempo, motivos e oportunidades para refletir sobre o que é essencial, importante e causa de nossa felicidade verdadeira. Felizes daqueles, que em meio às suas mais profundas e, por vezes, dolorosas, reflexões, chegarem a perceber o real valor das coisas, sentimentos e pessoas. Então, sim, tudo terá valido a pena. Sim, o sofrimento também vale a pena. Não há ganho sem dor.

E o futuro? O que dirá de 2020? Espero que louve a Ciência que nos salvou, a Arte que nos confortou e a Fé que nos consolou. O resto é silêncio.

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