O Brasil sempre teve grandes cantoras. Mulheres de diversas gerações, que marcaram suas épocas, com enormes doses de talento, carisma, técnica e emoção. De vozes poderosas como Ângela Maria, Dalva de Oliveira e Nana Caymmi ; originais como Elza Soares, Maysa e Ana Carolina; suaves e afinadas como Dóris Monteiro, Silvinha Telles e Nara Leão ou plenas de técnica como Eliseth Cardoso, Gal Costa e Marisa Monte. Há, ainda, excelentes cantoras que também são, ou foram, talentosas compositoras, casos de Dolores Duran, Cassia Eller e Adriana Calcanhoto. Grandes cantoras, que foram além do samba, como Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione e Sonia Gomes e, por fim, mas não limitando, as performáticas geniais Carmen Miranda e Rita Lee.

Há quem diga que houve uma única cantora, que encarnou em si todas as qualidades das maiores cantoras brasileiras. Eu concordo. A gaúcha Elis Regina Carvalho Costa, para infortúnio da Arte e da MPB, viveu apenas 36 anos e sua carreira profissional não chegou a duas décadas. Neste tempo construiu a mais sólida e brilhante trajetória artística entre todas as cantoras da história da música popular brasileira. Brilhou em estúdios de gravação, em auditórios de rádio e televisão e palcos de teatro no Brasil e no Exterior. Venceu festivais, lançou jovens geniais compositores, gravou um sem número de clássicos, virou filme, musical de teatro e minissérie. Brigou com as guitarras elétricas, depois arrependeu-se e gravou Roberto Carlos e Rita Lee. Cantou o hino da anistia e partiu, trágica e prematuramente, em janeiro de 1982. É quase uma unanimidade quando se indaga quem é a maior cantora brasileira de todos os tempos. Tem a estatura artística de Sara Vaughan, Edith Piaf e Billie Holiday. Não é pouca coisa.

Elis e todas aquelas já citadas foram, além de talentos extraordinários, grandes estrelas. Entretanto, não são divas. Diva, no sentido etimológico, remete a divindade feminina, uma deusa. No sentido mais popular refere-se a grandes artistas mulheres, sejam da música, do cinema, do teatro ou da televisão. Mas, não é só isso. A diva transcende a técnica e a popularidade. Exala emoção, mistério e magia. No cinema, podemos dizer que Meryl Streep e Viola Davis são estrelas, mas as grandes divas do cinema continuam sendo Ingrid Bergman; as “irmãs” Hepburn, Bardot, Sophia Loren, Greta Garbo e Elisabeth Taylor. Na música atual, Lady Gaga é uma estrela, Beyonce é uma diva. Na ópera, vale o mesmo para Renata Tebaldi e Maria Callas. E no teatro brasileiro, de muitas estrelas e apenas três divas: Cacilda, Bibi e Fernanda. 

A música popular brasileira, também tem sua diva: a baiana de Santo Amaro da Purificação, Maria Bethânia Viana Teles Veloso, que neste mês de junho completa setenta e cinco anos de idade, dos quais cinquenta e seis dedicados a encantar e hipnotizar seus milhões de fãs, seguidores e devotos. Se existe uma diferença entre cantar e interpretar, e parece que existe, Bethânia, além de extraordinária cantora, é a maior intérprete da MPB desde o surgimento do rádio e do fonógrafo. Senhora dos palcos, cantora e atriz de primeira grandeza e dotada de rara sensibilidade para escolha de repertório, Bethânia tornou-se a maior intérprete de Chico, da dupla Roberto e Erasmo e de Gonzaguinha, compositores de diferentes estilos, mas que tiveram em comum a delicada e complexa compreensão da alma feminina. Quem a viu e ouviu declamando Fernando Pessoa jamais esquece que todas as cartas de amor são ridículas, nem do dever de sonhar construindo-se a ouro e sedas.  Dois diferentes Pessoas, uma única diva a declamá-los. 

Em cena, vestida de branco, pés descalços e cabelos soltos, a miúda e tímida baianinha, com seus 1,64 metros e 48 quilos, transforma-se numa gigante. Preenche cada centímetro do palco e da plateia. Voz e corpo. Sons e palavras. Gestos e danças, Música e Teatro. Prosa e Poesia. Tudo isso é Bethânia. Estreou no Rio de Janeiro em fevereiro de1965, substituindo Nara Leão, no show “Opinião”, no teatro do mesmo nome, mas que na época, curiosamente, era chamado, de “Teatro Opinião – Arena de São Paulo”. Do show, saiu seu primeiro grande sucesso: “Carcará”, música de João do Vale. Em 2016 foi tema do Carnaval da Mangueira, cujo enredo “A menina dos olhos de Oyá” deu o título à escola verde e rosa. Nesse espaço de mais de cinco décadas, a diva baiana permanece sendo a mais querida e discreta de nossas grandes cantoras. Sorte nossa.

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