Os mais de 150.000 brasileiros que perderam a vida por conta da COVID 19 deixaram mais que pais, filhos, cônjuges e amigos, que sofrem com suas perdas e lamentam a forma abrupta, por vezes fria e distante, da despedida.  Deixaram também, o seu legado de vida, realizações e muitas histórias, que serão lembradas e contadas para sempre. De um lado, para que permaneçam conosco os seus sorrisos e as marcas de suas passagens em nossas vidas. De outro, para que a crônica de nosso tempo não permita que se apague da memória, dessa e das futuras gerações, o terrível flagelo, que estamos enfrentando e que,  por certo, venceremos. Não sem dor e sem aprendizado.

Por essas razões e tantas outras que habitam nossos corações, escrevemos a seis mãos o texto a seguir, em homenagem a um amigo-irmão querido, que partiu, vitimado pela pandemia. É quase certo que sem ele esse blog não existiria. Todavia, é mais certo ainda que, por ele, continuaremos.

Assim o chamávamos: Zeca, ou Kawa. De Japa, muito raramente. Pudera, era o nissei mais brasileiro que qualquer um de nós já conhecera. Quando falávamos de futebol, ele era “A Lenda”, apelido recente dado aqui mesmo entre nós, mas que o alegrava. Não por vaidade, que nunca teve, mas porque gostava de ser lembrado como o brilhante, quase incomparável, craque de futsal que fora na juventude, reconhecido em todos os lugares por onde passava.

Outra coisa que ele gostava de lembrar e, principalmente, não deixar ninguém esquecer, como se isso fosse possível: o dia de seu aniversário, 18 de outubro. Nunca esqueceríamos. Quando nossa turma do colégio se reencontrou, quarenta e quatro anos depois da formatura, ele tomou para si a missão de unir, cuidar, dar atenção, cumular de carinhos e gentilezas, alegrar, consolar e incentivar cada um de nós a participar desse momento tão especial. que já dura quatro inesquecíveis anos.

Zeca inventou o convite inexistente. Depois de algum encontro ou reunião, ‘esquecia’ algo e retornava depois prá recuperar o esquecido e aproveitava prá tomar um café, almoçar ou um lanchinho. Logo depois postava a foto e dizia ”Fui convidado”. Virou norma. Nem precisava mais ‘esquecer’ alguma coisa. Às vezes ligava, outras vezes aparecia. “Vou passar aí”  Com isso, ele presenteava a sua companhia.

Sempre pronto prá atender os amigos. Precisa de carona? Tem. Não importa a distância nem o local, se necessário, leva o carro cheio. Carregava os sóbrios, os bêbados, os quietos e os falantes, todos entregues a domicílio com direito ao dedo de prosa de fim de noite. “Da sessão coruja só entende quem namora”. Para o Zeca, a sessão coruja só terminava quando tinha certeza que o último amigo ou amiga estava seguro em casa.

Inaugurou a Segunda sem Lei. De repente, numa segunda feira à tarde, 18 horas, o convite: “O que vocês estão fazendo? Muito ocupados? Estou com a Irene e o João. Vem prá cá, vamos comer alguma coisa e bater papo.”  O argumento era sempre forte – encontrar amigos, aproveitar o tempo livre. “Afinal, para quase todos nós, tempo é o que não falta, ainda mais numa segunda à noite”. A segunda feira, antes chata e improdutiva, passou a ser o melhor dia da semana.

A SSL criou raízes e tradição. E assim continuou com Zeca criando todo tipo de situação e oportunidade para reunir os amigos.  Nas visitas em casas, no sítio ou na praia, nos cafés nas padarias Hum e Rosa do Saron, nas quintas feiras no Gaúcho, deliciosos almoços no Chico ou no Piassi, espetinhos no Itaim ou numa pelada acompanhando um amigo querido. Ele já não jogava, mas mantinha o amor pelo futebol e pelo Santos; adorava ver um jogo no estádio. 

Gostava e sabia cantar.  Ia de Elvis às músicas bregas com ritmo e afinação. Logo no inicio, inventou o sorteio. Levava em todos os encontros um brinde, qualquer que fosse – os maledicentes chamavam de bugigangas –, mas nunca se via tanta alegria e expectativa quanto nesse momento. Impossível dizer quem ficava mais feliz: Zeca ou o ganhador ou ganhadora. 

Outro de seus prazeres, e com o qual brindava os amigos, era o churrasco. Convidava, comprava as carnes, assava e servia. Não bebia, mas trazia o vinho, a cerveja, e celebrava com todos. Não abria mão do arroz de Lady Irene. E, ao final das reuniões, recolhia os lacres de latinhas e tampinhas de garrafas pet colaborando com um amigo que as doava para ONGs. Assim era o Zeca: serviço completo, o primeiro a chegar, o último a sair. 

Sua marca registrada: servir. Raro exemplo de coração livre de rancores, pronto para ajudar quem precisasse. Se necessário, recrutava mais amigos para fazer o bem a alguém. Não parava. Por baixo da fleuma nipo-brasileira pulsavam coração e mente ansiosos para realizar, contribuir e, acima de tudo, juntar e alegrar os amigos. Nunca descortês com quem quer que fosse, igualitário no tratamento de todos.  Elegante e vaidoso no vestir. Correto e gentil na essência. Um ser acolhedor e tolerante. Uma rara unanimidade, que desmentia Nelson Rodrigues, porque não era burra.

Já o dia 18 de Outubro, tornou-se uma alegre brincadeira. Zeca alertava todos, pelo menos nos trinta dias anteriores, para que ninguém se esquecesse. Dessa forma, a comemoração era sempre um momento único. Com a presença de todos os amigos, o que para ele significava o maior e melhor presente. Um presente esperado, curtido, festejado até o último minuto, até que se ouvisse o bordão: Não se esqueçam, 18 de outubro é dia do médico!!

Em 2018 ganhou seu maior presente: Gabi. Seus olhos brilhavam ao falar dela. Orgulhoso e feliz nos mandava, sempre, fotos da querida netinha. Antes um pouco, tinha acertado os ponteiros com uma grande parceira. Que casal bonito: Zeca e Sônia. Por sinal, companhia e amigos lhe eram fundamentais.  Mestre dos relacionamentos, acolhia a todos. Amigos antigos e recentes recebiam a mesma atenção. Também era o nosso fotógrafo oficial, sem esquecer o profissionalismo e a maestria do Alfredo. No seu celular era só passar a mão na frente da tela e estava feita a foto. Mas tinha que ter pose, todo mundo arrumadinho; cada flash um raio de felicidade.. Era um charme só.

Hoje ele não estará fisicamente conosco. Partiu depois de ter cumprido, como poucos, sua missão entre nós. Talvez, em alguns momentos, entristeçamos, mas Zeca vai dar um jeito de soprar no ouvido de cada um de nós: “Bora fazer uma festa, eu estarei sempre com vocês.”

Feliz Aniversário, Zeca. Amigo querido, receba nosso carinho infinito!

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